sexta-feira, 6 de março de 2015

WHO RUN THE WORLD? (parte 3 - por Patrícia Angélica)


Nesta terceira parte da nossa Série Especial pela semana da mulher, Patrícia Angélica, com a ajuda de especialistas, mostra qual o segredo para a melhora da natação feminina no país.

Se o Brasil demorou 56 anos para ter novas finalistas olímpicas na natação feminina, podemos dizer que desde 2004 temos uma safra razoável, porém muito irregular. De três finais femininas em Atenas-2004, os resultados caíram para apenas uma em Pequim-2008 e nenhuma em Londres-2012.
Para alcançar índices mais ambiciosos, a Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos, decidiu dividir a natação entre dois treinadores logo após os Jogos Olímpicos de 2012. Um especificamente para o feminino, Fernando Vanzella, e outro para o masculino. Porém, é consenso entre os especialistas que essa divisão é tão somente o primeiro passo. Outras ações são urgentes para dar mais força à natação feminina.
A maioria dos esportes brasileiros carece de trabalho de base, e não é diferente com a natação. A modalidade sobrevive de talentos individuais. É preciso um trabalho aprofundado de estímulo às categorias iniciais do esporte. Só assim se conseguirá  massa maior de praticantes ao longo do tempo e dessa massa será extraído muito mais talentos para formar grupos de atletas de alta performance e superar a baixa de desempenho das meninas.
O treinador Alex Pussieldi, comentarista de natação do canal especializado SporTV, explica que o problema precisa ser diagnosticado localmente e em todas as categorias: "A gente está ficando para trás [na natação feminina] e isso é um problema estrutural e organizacional. Quem não quer ver está fazendo com que isso continue e a gente fique cada vez mais longe. Vai ser cada vez mais difícil conseguir se igualar ao nível internacional".
Para Arilson Soares, técnico especialista em nado de peito, um ponto importante seria aumentar a participação em competições de alto nível de nossas nadadoras. "As atletas lá fora estão num nível de competitividade muito maior do que a gente aqui. Elas competem muito novas, na escola, na faculdade. Nesse caso, a competitividade faz a diferença para essas meninas terem uma atitude melhor com relação ao treino, porque sabem que é o treino que vai levar a uma boa competição".
Talvez por isso algumas atletas se sentem intimidadas em torneios internacionais, conta Daynara de Paula, representante do Brasil nos Jogos Olímpicos de Londres 2012 nos 100m borboleta. "Numa competição internacional, eu não sei como elas são, não sei como elas nadam. Sei o tempo delas, que são muito mais fortes que o meu".
Atletas, ex-atletas e técnicos têm opinião semelhante sobre outro passo importante para a guinada da natação feminina: excursionar por competições e training camps ao redor do mundo. "Elas têm que ir para fora, participar do circuito europeu, dos Grand Prix nos Estados Unidos e ter um período de treino lá fora pra ver o que, de fato, o pessoal lá faz", afirma Monique Ferreira, ex-nadadora e hoje integrante da Unidade de Performance Esportiva do COB.
A ex-técnica Rosane Carneiro, única mulher a integrar a comissão técnica olímpica do Brasil - Pequim-2008 - critica o formato de incentivo esportivo, que centraliza o protagonismo na formação e manutenção dos atletas nos clubes. Para ela, esse é um dos principais problemas da natação brasileira: "Infelizmente, a CBDA, as federações e os clubes não estão conseguindo reter seus poucos atletas. Ninguém forma mais nada, não se tem material humano para trabalhar para o futuro. E até 2012 os atletas inflacionaram o mercado com as ajudas de custo e salários". Segundo Rosane, o mais importante é fazer os atletas competirem mais, pois no Brasil só há três campeonatos para os nadadores sêniores. Na Europa e Estados Unidos há muitas competições em que esses atletas poderiam se aprimorar e ganhar experiência.
No ciclo olímpico que se iniciou em 2013 e vai até os Jogos de 2016, no Rio, a natação brasileira tem quatro competições internacionais de peso: dois mundiais de piscina longa (em 2013, em Barcelona, na Espanha; e 2015, em Kazan, na Rússia), e um mundial de piscina curta em 2014 (em Doha, no Catar). Também em 2014 haverá o torneio Pan-Pacífico, do qual o Brasil é convidado (na Austrália. Há outros eventos de menor relevância, que muitas vezes são usados como treinamento para campeonatos principais, e que são escolhidos a cada temporada pelo atleta e a comissão técnica: os Grand Prix norte-americanos, Circuito Mare Nostrum (que acontece no Principado de Mônaco; em Barcelona, na Espanha; e em Canet, na França), Open da França, Troféu Sette Colli (na Itália), entre outros.
O departamento financeiro da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos forneceu dois balancetes especificando os gastos com competições nacionais e internacionais e treinamentos específicos das seleções. No ano pré-olímpico de 2011,  foram empregados R$ 2.978.717,97 neste tipo de ação. Já em 2012 o valor quase dobrou: R$ 5.368.615,78. Estes R$ 2 milhões a mais no segundo ano são explicados pelo fato de ter sido o ano da Olimpíada de Londres. Para 2013, a CBDA tem previstos R$ 8.674.818,00 de despesas, divididas em eventos nacionais e internacionais de natação. O montante inclui também o patrocínio direto aos atletas. Tais recursos são obtidos através do patrocínio da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), Bradesco e Sadia, além dos recursos provenientes da Lei Agnelo Piva. Esta lei estabelece que 2% da arrecadação das Loterias Federais são direcionados aos comitês olímpico e paralímpico brasileiros.
Só os Correios, maior patrocinador da CBDA, contribuem anualmente com R$ 23 milhões para as cinco modalidades abrigadas na entidade: além da natação em piscina e em águas abertas, há também o nado sincronizado, os saltos ornamentais e o pólo aquático.  O contrato, firmado em  outubro de 2012, tem vigência de dois anos. Hermano Aragão, analista da área de gestão de patrocínio esportivo da estatal, explica que durante a negociação do contrato a entidade esportiva apresentou uma planilha com estimativas de custo. O contrato atual instituiu o Plano Brasil Medalhas, do Ministério do Esporte, que substitui parte dos valores empregados em patrocínio direto aos atletas, que são contratos firmados diretamente entre a Confederação e alguns esportistas para recebimento de verba dos Correios. Antes do programa do Governo Federal, a empresa pública destinava cerca de 15% do valor total dos contratos para apoio aos atletas. Agora este valor está entre 2% e 3%.
Um dos principais requisitos para um nadador fazer parte do Plano Brasil Medalhas é estar entre os 20 melhores do mundo em suas provas. A maior parte dos atletas que recebem apoio foram incluídos no projeto, mas o patrocínio direto foi mantido para aqueles que não preenchem este requisito. O programa do Ministério do Esporte para a CBDA, com aporte financeiro dos Correios, inclui o valor de R$ 7 milhões por ano para patrocínio de 15 atletas, sendo que nenhum deles é da natação feminina. Já, dentro do mesmo Plano destinado às maratonas aquáticas, o valor anual é de R$ 2,8 milhões e aqui apenas três atletas recebem o auxílio financeiro. Duas delas são mulheres: Ana Marcela Cunha e Poliana Okimoto.

Confira, ainda hoje, a parte 4.

(Patrícia Angélica é jornalista, responsável pelos blogs Loucos por Natação e Criminal Minds BR)

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