Na quarta parte da série especial em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, Patrícia Angélica faz uma análise da separação entre seleções e a criação de uma equipe especialmente para cuidar das nossas meninas. Lembrando que esta é uma série originalmente publicada no Loucos por Natação, em 2013.
Durante
o Troféu José Finkel, em setembro de 2012, na piscina do clube SESI-SP,
Fernando Vanzella (N.E.: foto acima tirada por este repórter durante o Torneio Regional de Santos), hoje treinador da equipe, foi convidado pelo presidente da
Confederação Brasileira de Desportes Aquáticos (CBDA), Coaracy Nunes, para ser
o novo head coach na Seleção
Brasileira de Natação Feminina. Poucos meses depois de aceitar o convite, Vanzella
aproveitou o Mundial de Piscina Curta em Istambul, em dezembro, como campo de
observação para a nova função.
Todavia, apenas designar um
treinador para o momento em que as melhores nadadoras do país se juntam em uma
Seleção não é o bastante. O que a CBDA está fazendo na prática? O que pensa a
comunidade aquática?
A primeira atitude da Confederação a
respeito dessa divisão foi pré-classificar todos os revezamentos femininos
(4x100m livre, 4x100m medley e 4x200m livre) para a próxima grande competição,
o Mundial de Piscina Longa, que acontece em Barcelona (ESP), na última semana
de agosto. Antes, apenas os revezamentos (nesse caso, agregado entre os quatro
melhores tempos das prova de 100m livre, 100m estilos ou 200m livre) que
conseguissem estar entre os 12 melhores tempos do mundo pelo ranking mundial do
ano anterior competiam.
Enquanto Ricardo de Moura,
supervisor técnico da CBDA, considera a decisão uma forma de levar as atletas a
uma experiência internacional, outros, como Alex Pussieldi, pensam o contrário.
"Elas não têm nível para isso [competir em plano de igualdade com as
potências do esporte]. Ninguém ganha experiência indo para campeonato mundial
sem condição de competir em nível mundial. A partir do momento que as coisas
começam a ficar mais fáceis, você começa a se acomodar".
Outro que expõe uma visão crítica sobre
essa divisão é João Reinaldo, o Nikita, treinador de Joanna Maranhão no Clube
Português do Recife (N.E.: atualmente, o treinador de Joanna é André Amendoim, no Pinheiros), que diz apenas ter "ouvido falar de uma divisão"
e ainda critica a escolha de um técnico que está dentro de um clube. Fernando
Vanzella, além de treinador principal da seleção feminina, exerce a mesma
função no clube SESI-SP. "Deveria haver um técnico sem nenhum vínculo e
realmente participando, acompanhando o treinamento, viajando entre os estados,
vendo não só os que estão no topo, mas aqueles que têm mais chance de chegar
lá", disse.
Uma cobrança constante da comunidade
aquática é por viagens de treinamento e competição. "Deveriam reunir essas
meninas que estão na seleção pra treinar juntas e ter um técnico focado na
natação feminina", defende a ex-nadadora e produtora do SporTV Mariana
Brochado.
Para criar uma identificação maior entre
essas atletas e elevá-las a um patamar de competitividade, é necessário que sejam
feitas mais clínicas (como são chamados os training
camps realizados pelo CBDA no Brasil), como a realizada entre os dias 18 e
23 de fevereiro de 2013, em Brasília. As atletas que participaram gostaram da
experiência, principalmente pela oportunidade de "conviver por algum tempo
com atletas de outras faixas etárias e outros clubes". Beatriz Travalon,
campeã brasileira dos 100m nado de peito, e uma das mais jovens na seleção, justifica:
"Você só sabe das dificuldades que a pessoa tem quando você está no
treino. Ver na competição é uma coisa, conviver é diferente".
No entanto, para Fabiola Molina, uma
das mais bem sucedidas nadadoras brasileiras (N.E.: aposentou-se em 2013), a clínica acrescentou pouco para
as atletas mais experientes. Fabíola, que está em transição entre a carreira
esportiva e a de empresária, foi uma das palestrantes. Para ela, faltaram na
clínica coisas essenciais em um campo de treinamento, como a filmagem biomecânica
para detectar possíveis erros de técnica subaquática do atleta. Além disso, a
data escolhida pela CBDA também teria coincidido com viagens de algumas equipes
(como a do Minas, que não pôde enviar atletas pois estava na Austrália).
O
sentimento é de satisfação entre as atletas beneficiadas pelo novo projeto da
Confederação. "O investimento diferenciado que a CBDA está fazendo [na
natação feminina] daqui para frente vai só melhorar", comemora Graciele
Herrmann. A mesma sensação é compartilhada pela nadadora Etiene Medeiros:
"A gente vê o exemplo, não só na natação, mas em outros esportes, como o
judô, que dá certo separar o masculino do feminino. Espero que dê certo e que a
natação feminina evolua".
Já Arilson Soares toca em outro
ponto: o planejamento. O treinador considera fundamental monitorar os treinos,
controlar a carga de exercícios das atletas e conhecer os seus picos hormonais
para ajustar a carga de treinamento dentro e fora d'água. Para ele, quando se
percebe que algo está errado, deve-se abandonar o planejamento e começar tudo
do zero. "Se algo não funcionou em três meses, para e tenta outra coisa.
Não tem continuidade. Quando algo não funciona, temos que reavaliar e define
quais são as competições que vão servir de avaliação. O que importa é o resultado
na competição".
Esse parece um receio muito grande
de toda a comunidade aquática: a continuidade do projeto. Djan Madruga,
medalhista olímpico no revezamento 4x200m livre nos Jogos Olímpicos de Moscou
1980, em bate papo durante o Troféu Maria Lenk, em abril de 2013, acredita que,
após 2016, é preciso ver o que deu certo e ver como continuar. Para o ex-atleta
e hoje diretor executivo da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos
(CBDA), uma brasileira pode ganhar medalha nos Jogos Olímpicos, mas isso não
garante a melhora estrutural da modalidade: "Não é impossível uma menina
conseguir medalha olímpica, mas isso não quer dizer que tenha havido uma
melhora geral da natação feminina ou que isso reflita a realidade da natação
brasileira".
Ricardo
de Moura explica, em entrevista concedida na mesma competição, que a melhor
forma de avaliar o processo é através do ranking
mundial, em que os nadadores e nadadoras são posicionados de acordo com os
tempos que fazem em suas respectivas provas. "Se o atleta estiver entre os
dez primeiros do mundo no ano que antecede os Jogos Olímpicos, há 80% de chance
de ganhar medalha". A meta é ambiciosa. E para atingir essa performance, a
meta é colocar mais atletas entre as 150 melhores até o final de 2013.
A
natação é um esporte em que provas masculinas e femininas ocorrem todas juntas
durante as competições, e, da mesma forma, os atletas de ambos os sexos ficam
hospedados no mesmo hotel. Atletas costumam namorar entre si, sejam do mesmo
clube ou de clubes diferentes. De acordo com a nadadora Joanna Maranhão, não
existem restrições à prática sexual relacionadas à concentração, como em outros
esportes, o futebol, por exemplo. "O que
influencia é sua mente e de um modo geral atletas de esporte individual não têm
essa postura porque pensam muito em si", justifica Joanna. Assim, as
relações sexuais acontecem nos locais de hospedagem, principalmente no fim dos
eventos, mas os treinadores não ficam nada contentes quando descobrem as
aventuras de seus atletas.
O
treinador Alberto Silva é hoje o responsável pelos nadadores na Seleção
Brasileira (N.E.: ele não o é mais desde o final de 2014 e atualmente é head coach no Paineiras do Morumby), mas foi head coach do
Esporte Clube Pinheiros durante sete anos e lidava com as meninas. Em conversa
por Skype, o técnico detecta o
principal problema com relação à prática sexual antes das competições: "lidamos
muitas vezes com menores de idade e precisamos manter a disciplina e a ordem. Além
disso os pais confiam seus filhos aos técnicos e não podemos decepcioná-los".
Albertinho – como é conhecido na natação – garante que nunca flagrou ninguém
desobedecendo, mas admite que, se pegasse, não saberia o que fazer. Diz apenas
que o problema seria resolvido internamente no clube e na equipe, sem expor os
atletas envolvidos.
Amanhã, a quinta parte, falando sobre aposentadorias, com algumas atualizações.
(Patrícia Angélica é jornalista, responsável pelos blogs Loucos por Natação e Criminal Minds BR)
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