sexta-feira, 6 de março de 2015

WHO RUN THE WORLD? (parte 4 - por Patrícia Angélica)


Na quarta parte da série especial em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, Patrícia Angélica faz uma análise da separação entre seleções e a criação de uma equipe especialmente para cuidar das nossas meninas. Lembrando que esta é uma série originalmente publicada no Loucos por Natação, em 2013.

Durante o Troféu José Finkel, em setembro de 2012, na piscina do clube SESI-SP, Fernando Vanzella (N.E.: foto acima tirada por este repórter durante o Torneio Regional de Santos), hoje treinador da equipe, foi convidado pelo presidente da Confederação Brasileira de Desportes Aquáticos (CBDA), Coaracy Nunes, para ser o novo head coach na Seleção Brasileira de Natação Feminina. Poucos meses depois de aceitar o convite, Vanzella aproveitou o Mundial de Piscina Curta em Istambul, em dezembro, como campo de observação para a nova função.
Todavia, apenas designar um treinador para o momento em que as melhores nadadoras do país se juntam em uma Seleção não é o bastante. O que a CBDA está fazendo na prática? O que pensa a comunidade aquática?
A primeira atitude da Confederação a respeito dessa divisão foi pré-classificar todos os revezamentos femininos (4x100m livre, 4x100m medley e 4x200m livre) para a próxima grande competição, o Mundial de Piscina Longa, que acontece em Barcelona (ESP), na última semana de agosto. Antes, apenas os revezamentos (nesse caso, agregado entre os quatro melhores tempos das prova de 100m livre, 100m estilos ou 200m livre) que conseguissem estar entre os 12 melhores tempos do mundo pelo ranking mundial do ano anterior competiam.
Enquanto Ricardo de Moura, supervisor técnico da CBDA, considera a decisão uma forma de levar as atletas a uma experiência internacional, outros, como Alex Pussieldi, pensam o contrário. "Elas não têm nível para isso [competir em plano de igualdade com as potências do esporte]. Ninguém ganha experiência indo para campeonato mundial sem condição de competir em nível mundial. A partir do momento que as coisas começam a ficar mais fáceis, você começa a se acomodar".
Outro que expõe uma visão crítica sobre essa divisão é João Reinaldo, o Nikita, treinador de Joanna Maranhão no Clube Português do Recife (N.E.: atualmente, o treinador de Joanna é André Amendoim, no Pinheiros), que diz apenas ter "ouvido falar de uma divisão" e ainda critica a escolha de um técnico que está dentro de um clube. Fernando Vanzella, além de treinador principal da seleção feminina, exerce a mesma função no clube SESI-SP. "Deveria haver um técnico sem nenhum vínculo e realmente participando, acompanhando o treinamento, viajando entre os estados, vendo não só os que estão no topo, mas aqueles que têm mais chance de chegar lá", disse.
Uma cobrança constante da comunidade aquática é por viagens de treinamento e competição. "Deveriam reunir essas meninas que estão na seleção pra treinar juntas e ter um técnico focado na natação feminina", defende a ex-nadadora e produtora do SporTV Mariana Brochado.
Para criar uma identificação maior entre essas atletas e elevá-las a um patamar de competitividade, é necessário que sejam feitas mais clínicas (como são chamados os training camps realizados pelo CBDA no Brasil), como a realizada entre os dias 18 e 23 de fevereiro de 2013, em Brasília. As atletas que participaram gostaram da experiência, principalmente pela oportunidade de "conviver por algum tempo com atletas de outras faixas etárias e outros clubes". Beatriz Travalon, campeã brasileira dos 100m nado de peito, e uma das mais jovens na seleção, justifica: "Você só sabe das dificuldades que a pessoa tem quando você está no treino. Ver na competição é uma coisa, conviver é diferente".
No entanto, para Fabiola Molina, uma das mais bem sucedidas nadadoras brasileiras (N.E.: aposentou-se em 2013), a clínica acrescentou pouco para as atletas mais experientes. Fabíola, que está em transição entre a carreira esportiva e a de empresária, foi uma das palestrantes. Para ela, faltaram na clínica coisas essenciais em um campo de treinamento, como a filmagem biomecânica para detectar possíveis erros de técnica subaquática do atleta. Além disso, a data escolhida pela CBDA também teria coincidido com viagens de algumas equipes (como a do Minas, que não pôde enviar atletas pois estava na Austrália).
O sentimento é de satisfação entre as atletas beneficiadas pelo novo projeto da Confederação. "O investimento diferenciado que a CBDA está fazendo [na natação feminina] daqui para frente vai só melhorar", comemora Graciele Herrmann. A mesma sensação é compartilhada pela nadadora Etiene Medeiros: "A gente vê o exemplo, não só na natação, mas em outros esportes, como o judô, que dá certo separar o masculino do feminino. Espero que dê certo e que a natação feminina evolua".
Já Arilson Soares toca em outro ponto: o planejamento. O treinador considera fundamental monitorar os treinos, controlar a carga de exercícios das atletas e conhecer os seus picos hormonais para ajustar a carga de treinamento dentro e fora d'água. Para ele, quando se percebe que algo está errado, deve-se abandonar o planejamento e começar tudo do zero. "Se algo não funcionou em três meses, para e tenta outra coisa. Não tem continuidade. Quando algo não funciona, temos que reavaliar e define quais são as competições que vão servir de avaliação. O que importa é o resultado na competição".
Esse parece um receio muito grande de toda a comunidade aquática: a continuidade do projeto. Djan Madruga, medalhista olímpico no revezamento 4x200m livre nos Jogos Olímpicos de Moscou 1980, em bate papo durante o Troféu Maria Lenk, em abril de 2013, acredita que, após 2016, é preciso ver o que deu certo e ver como continuar. Para o ex-atleta e hoje diretor executivo da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), uma brasileira pode ganhar medalha nos Jogos Olímpicos, mas isso não garante a melhora estrutural da modalidade: "Não é impossível uma menina conseguir medalha olímpica, mas isso não quer dizer que tenha havido uma melhora geral da natação feminina ou que isso reflita a realidade da natação brasileira".
Ricardo de Moura explica, em entrevista concedida na mesma competição, que a melhor forma de avaliar o processo é através do ranking mundial, em que os nadadores e nadadoras são posicionados de acordo com os tempos que fazem em suas respectivas provas. "Se o atleta estiver entre os dez primeiros do mundo no ano que antecede os Jogos Olímpicos, há 80% de chance de ganhar medalha". A meta é ambiciosa. E para atingir essa performance, a meta é colocar mais atletas entre as 150 melhores até o final de 2013.
A natação é um esporte em que provas masculinas e femininas ocorrem todas juntas durante as competições, e, da mesma forma, os atletas de ambos os sexos ficam hospedados no mesmo hotel. Atletas costumam namorar entre si, sejam do mesmo clube ou de clubes diferentes. De acordo com a nadadora Joanna Maranhão, não existem restrições à prática sexual relacionadas à concentração, como em outros esportes, o futebol, por exemplo. "O que influencia é sua mente e de um modo geral atletas de esporte individual não têm essa postura porque pensam muito em si", justifica Joanna. Assim, as relações sexuais acontecem nos locais de hospedagem, principalmente no fim dos eventos, mas os treinadores não ficam nada contentes quando descobrem as aventuras de seus atletas. 
O treinador Alberto Silva é hoje o responsável pelos nadadores na Seleção Brasileira (N.E.: ele não o é mais desde o final de 2014 e atualmente é head coach no Paineiras do Morumby), mas foi head coach do Esporte Clube Pinheiros durante sete anos e lidava com as meninas. Em conversa por Skype, o técnico detecta o principal problema com relação à prática sexual antes das competições: "lidamos muitas vezes com menores de idade e precisamos manter a disciplina e a ordem. Além disso os pais confiam seus filhos aos técnicos e não podemos decepcioná-los". Albertinho – como é conhecido na natação – garante que nunca flagrou ninguém desobedecendo, mas admite que, se pegasse, não saberia o que fazer. Diz apenas que o problema seria resolvido internamente no clube e na equipe, sem expor os atletas envolvidos.

Amanhã, a quinta parte, falando sobre aposentadorias, com algumas atualizações.

(Patrícia Angélica é jornalista, responsável pelos blogs Loucos por Natação e Criminal Minds BR)

Nenhum comentário:

Postar um comentário