terça-feira, 10 de março de 2015

WHO RUN THE WORLD (parte 8 - por Patrícia Angélica)

Raras são as mulheres que seguiram o caminho de ser coaches, mas existiram. E hoje, na nossa série especial em homenagem ao Dia Internacional da Mulher (originalmente publicada pelo Loucos por Natação em 2013), Patrícia Angélica destaca algumas delas, com a ajuda de especialistas.

Se as mulheres não são unanimidade dentro das piscinas brasileiras, são menos ainda fora delas. Em toda a nossa história, que começou a ser contada por duas mulheres importantíssimas, só uma mulher teve destaque como treinadora: Rosane Carneiro, que levou Kaio Márcio aos Jogos Olímpicos de Pequim 2008 e ajudou Joanna Maranhão na empreitada para os Jogos Pan-Americanos de Guadalajara 2011 e Olímpicos de Londres 2012.
Alex Pussieldi, comentarista de natação do canal especializado SporTV, define que as mulheres encaram uma questão cultural e histórica para assumir os cargos de comando no esporte: "a mulher ainda não se estabeleceu como técnica, não só na natação, mas também nos outros esportes. A autoridade da mulher ainda é discutida. É um problema histórico, de mentalidade. São barreiras a serem rompidas".
Já o técnico do SESI-SP, Fernando Vanzella, considera a questão um problema mundial. "Não é só no Brasil. Em campeonatos internacionais, mundiais, jogos olímpicos, a presença masculina nesses cargos de treinador e supervisor é muito mais significativa. Mas elas têm espaço, sempre tiveram oportunidade".
Mas se o assunto são as mulheres treinadoras, vamos dar a palavra a carioca Rosane Carneiro, formada em Educação Física pela UFRJ que treinou dois grandes atletas olímpicos do Brasil: Kaio Márcio e Joanna Maranhão, dentre tantos outros. Ela é a única mulher brasileira que foi a Jogos Olímpicos como treinadora de natação. Trabalhou por 24 anos na natação de alto rendimento e hoje, depois de concluir uma pós-graduação em Administração e Marketing Esportivo na Universidade Gama Filho, trabalha em uma empresa de gestão de carreira de atletas. Para ela, esse tempo é de aprendizado. "Chega de ser bombeira", desabafa, referindo-se aos dois últimos trabalhos como treinadora, quando aceitou o desafio de levar Kaio Márcio a uma final olímpica nos Jogos de Pequim em 2008 e ajudar Joanna Maranhão na disputa do Pan-2011 e Londres-2012.
Depois de parar de trabalhar com a natação de alto rendimento em 2003, foi desafiada pelo nadador Kaio Marcio, especialista nos 200m borboleta, a ajudá-lo a ir ao Pan do Rio, em 2007 e aos Jogos de Pequim, em 2008. Foi este desafio que fez dela a primeira e única mulher a estar presente na comissão técnica brasileira em Jogos Olímpicos. Com Joanna, o desafio foi maior: "Depois de terminar o trabalho com Kaio,] fui fazer Pós em Administração Esportiva, e no meio do meu caminho, cai de paraquedas Joanna Maranhão, sem clube e técnico faltando três meses para o Pan de Guadalajara e cinco para a seletiva olímpica de 2012. No início, não quis de jeito nenhum, porque já estava em outra e não queria mais estar nesse sistema que a natação se transformou. Fiz os milagres de que ela precisava, e, infelizmente quando completaríamos um ano de trabalho no auge dos Jogos de Londres, ela se acidenta [Joana teve um desmaio na manhã de sua principal prova, os 400m medley, cortou o supercílio e não pôde competir]. Ali terminavam minhas obrigações com ela".
No entanto, Rosane, em depoimento por Skype, parece não gostar muito do rótulo de ter sido a principal treinadora da natação brasileira. "As entrevistas de [Pequim] 2008 eram só sobre 'a primeira treinadora olímpica da seleção de natação'. Numa delas, eu disse: 'não sei para que tanto alvoroço! Por que não falam sobre o técnico do vôlei feminino, que é um homem?”
Sobre o motivo de pouquíssimas mulheres conseguirem se sobressair no esporte, Rosane é bem direta: "as mulheres que querem trabalhar com Educação Física, trabalham em escola, academia ou em categorias de base. Acham que mulher tem 'lado materno' para isso. Na época em que fui técnica de base, havia muitas mulheres no mirim, petiz e infantil. Hoje, nenhuma delas está na borda da piscina".
Rosane considera difícil para uma mulher ser treinadora acima da categoria juvenil, quando os atletas passam a fazer treinos duplos e aumenta a cobrança por resultados, em busca de índices para campeonatos mundiais e jogos olímpicos. "As técnicas começam a dar mais valor a sua vida pessoal e acabam não conseguindo conciliar trabalho e família. Elas procuram assim as categorias inferiores que têm 'menos' responsabilidades e compromissos". A ex-treinadora acha que teve sorte, pois ficou em um clube até o infantil, mudando de categoria junto com seus atletas e subindo de categoria aos poucos.
Se dentro das piscinas temos a chegada de uma nova safra, não parece que isso esteja perto de acontecer do lado de fora. Pode-se contar nos dedos os nomes das treinadoras presentes em campeonatos brasileiros, sejam de categoria ou absolutos: temos Juliana Machado (do Esporte Clube Pinheiros), Adriana Mitidieri (do Minas Tênis Clube) e mais uma ou duas. O trabalho dos nossos treinadores é excelente, mas as mulheres precisam começar a tomar a frente, como já fazem no mundo empresarial, por exemplo.

Atualmente, Tatiana Lemos Barbosa ocupa o cargo de assistente técnica em Myrtle Beach, Florida, e pode seguir por este caminho.
Amanhã, segue a nossa série, com uma pergunta: o que sente uma nadadora sendo apenas vista como "musa"?

(Patrícia Angélica é jornalista, responsável pelos blogs Loucos por Natação e Criminal Minds BR)

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