Raras são as mulheres que seguiram o caminho de ser coaches, mas existiram. E hoje, na nossa série especial em homenagem ao Dia Internacional da Mulher (originalmente publicada pelo Loucos por Natação em 2013), Patrícia Angélica destaca algumas delas, com a ajuda de especialistas.
Se
as mulheres não são unanimidade dentro das piscinas brasileiras, são menos
ainda fora delas. Em toda a nossa história, que começou a ser contada por duas
mulheres importantíssimas, só uma mulher teve destaque como treinadora: Rosane
Carneiro, que levou Kaio Márcio aos Jogos Olímpicos de Pequim 2008 e ajudou Joanna
Maranhão na empreitada para os Jogos Pan-Americanos de Guadalajara 2011 e
Olímpicos de Londres 2012.
Alex Pussieldi, comentarista de
natação do canal especializado SporTV, define que as mulheres encaram uma
questão cultural e histórica para assumir os cargos de comando no esporte:
"a mulher ainda não se estabeleceu como técnica, não só na natação, mas
também nos outros esportes. A autoridade da mulher ainda é discutida. É um
problema histórico, de mentalidade. São barreiras a serem rompidas".
Já o técnico do SESI-SP, Fernando
Vanzella, considera a questão um problema mundial. "Não é só no Brasil. Em
campeonatos internacionais, mundiais, jogos olímpicos, a presença masculina
nesses cargos de treinador e supervisor é muito mais significativa. Mas elas
têm espaço, sempre tiveram oportunidade".
Mas se o assunto são as mulheres
treinadoras, vamos dar a palavra a carioca Rosane Carneiro, formada em Educação
Física pela UFRJ que treinou dois grandes atletas olímpicos do Brasil: Kaio
Márcio e Joanna Maranhão, dentre tantos outros. Ela é a única mulher brasileira
que foi a Jogos Olímpicos como treinadora de natação. Trabalhou por 24 anos na
natação de alto rendimento e hoje, depois de concluir uma pós-graduação em
Administração e Marketing Esportivo na Universidade Gama Filho, trabalha em uma
empresa de gestão de carreira de atletas. Para ela, esse tempo é de aprendizado.
"Chega de ser bombeira", desabafa, referindo-se aos dois últimos
trabalhos como treinadora, quando aceitou o desafio de levar Kaio Márcio a uma
final olímpica nos Jogos de Pequim em 2008 e ajudar Joanna Maranhão na disputa do
Pan-2011 e Londres-2012.
Depois
de parar de trabalhar com a natação de alto rendimento em 2003, foi desafiada
pelo nadador Kaio Marcio, especialista nos 200m borboleta, a ajudá-lo a ir ao
Pan do Rio, em 2007 e aos Jogos de Pequim, em 2008. Foi este desafio que fez
dela a primeira e única mulher a estar presente na comissão técnica brasileira
em Jogos Olímpicos. Com Joanna, o desafio foi maior: "Depois de terminar o
trabalho com Kaio,] fui fazer Pós em Administração Esportiva, e no meio do meu
caminho, cai de paraquedas Joanna Maranhão, sem clube e técnico faltando três
meses para o Pan de Guadalajara e cinco para a seletiva olímpica de 2012. No
início, não quis de jeito nenhum, porque já estava em outra e não queria mais
estar nesse sistema que a natação se transformou. Fiz os milagres de que ela
precisava, e, infelizmente quando completaríamos um ano de trabalho no auge dos
Jogos de Londres, ela se acidenta [Joana teve um desmaio na manhã de sua
principal prova, os 400m medley, cortou o supercílio e não pôde competir]. Ali
terminavam minhas obrigações com ela".
No entanto, Rosane, em depoimento por
Skype, parece não gostar muito do
rótulo de ter sido a principal treinadora da natação brasileira. "As
entrevistas de [Pequim] 2008 eram só sobre 'a primeira treinadora olímpica da seleção
de natação'. Numa delas, eu disse: 'não sei para que tanto alvoroço! Por que
não falam sobre o técnico do vôlei feminino, que é um homem?”
Sobre o motivo de pouquíssimas
mulheres conseguirem se sobressair no esporte, Rosane é bem direta: "as
mulheres que querem trabalhar com Educação Física, trabalham em escola,
academia ou em categorias de base. Acham que mulher tem 'lado materno' para
isso. Na época em que fui técnica de base, havia muitas mulheres no mirim, petiz
e infantil. Hoje, nenhuma delas está na borda da piscina".
Rosane
considera difícil para uma mulher ser treinadora acima da categoria juvenil,
quando os atletas passam a fazer treinos duplos e aumenta a cobrança por
resultados, em busca de índices para campeonatos mundiais e jogos olímpicos.
"As técnicas começam a dar mais valor a sua vida pessoal e acabam não
conseguindo conciliar trabalho e família. Elas procuram assim as categorias
inferiores que têm 'menos' responsabilidades e compromissos". A
ex-treinadora acha que teve sorte, pois ficou em um clube até o infantil,
mudando de categoria junto com seus atletas e subindo de categoria aos poucos.
Se dentro das piscinas temos a
chegada de uma nova safra, não parece que isso esteja perto de acontecer do
lado de fora. Pode-se contar nos dedos os nomes das treinadoras presentes em
campeonatos brasileiros, sejam de categoria ou absolutos: temos Juliana Machado
(do Esporte Clube Pinheiros), Adriana Mitidieri (do Minas Tênis Clube) e mais
uma ou duas. O trabalho dos nossos treinadores é excelente, mas as mulheres
precisam começar a tomar a frente, como já fazem no mundo empresarial, por
exemplo.
Atualmente, Tatiana Lemos Barbosa ocupa o cargo de assistente técnica em Myrtle Beach, Florida, e pode seguir por este caminho.
Amanhã, segue a nossa série, com uma pergunta: o que sente uma nadadora sendo apenas vista como "musa"?
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