Não há dúvidas de que as nossas nadadoras, sim, são belas. Mas a mídia, algumas vezes, só vê a beleza exterior delas, e não valorizam seus resultados. É isso que Patrícia Angélica vai analisar hoje, nesta nona parte da série especial em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, originalmente publicada pelo Loucos por Natação em 2013: a relação das nadadoras com a imprensa.
O
esporte vive de ídolos. A mídia vive de notícias. Ídolos geram notícias. No
entanto, a relação entre a mídia e esses ídolos nem sempre é fácil.
Se quando competem e ganham medalhas
e campeonatos, elas querem dar entrevistas, quando as coisas não parecem ir
bem, se escondem da imprensa. Muitas vezes também é possível perceber o
descontentamento de atletas com a forma como suas declarações saem na imprensa.
Certa vez, a mãe de um nadador disse que odiava jornalistas porque "quando
você fala chuchu, eles escrevem abobrinha". Noutro momento, um nadador,
que saiu insatisfeito de sua prova, ao passar pela imprensa e ouvir uma pergunta
sobre o que achou do tempo marcado, disse, sem sequer olhar para os repórteres,
que tinha achado "uma b...". Quando viu suas palavras publicadas em
um site, ficou com raiva do repórter.
No entanto, as atletas femininas
enfrentam outro problema: o rótulo de musas. As nadadoras circulam pelos locais
de competição usando sunquínis e maiôs sempre apertados e que muitas vezes
ficam um pouco transparentes. Por isso, não é raro ver, durante eventos,
galerias de fotos nos mais diversos sites que mostrem os atributos físicos das
atletas.
Foi o caso de Mariana Brochado (foto) logo
após o Pan de Santo Domingo, em 2003, quando foi eleita, na internet, a musa do
Brasil. O rótulo no início a incomodava, pois as pessoas prestavam mais atenção
em sua beleza do que nas medalhas conquistadas, mas acabou a ajudando: "[o
rótulo de musa] abriu algumas portas, principalmente com relação a
patrocinadores, pois para eles é ótimo ter um rostinho bonito e algum talento
no mesmo pacote", contou ela em entrevista realizada no prédio da TV Globo,
no Jardim Botânico.
Joanna Maranhão admite o dilema
entre a fama e o desconforto, A beleza da atleta pode lhe abrir caminhos para
patrocínios e outras formas de ganhar mídia. No entanto, a nadadora se lembra de
um episódio desagradável que aconteceu com uma companheira de Seleção, nos
Jogos Olímpicos de 2004, em Atenas: "na hora que a Flavia [Delaroli] foi
entrar na piscina, um fotógrafo deu zoom no bumbum dela, tirou a foto e
publicou no site. E foi uma coisa
super chata entre ela e o marido dela porque ele viu a foto no site".
De todas as atletas entrevistadas, a
que mais parece se incomodar com os rótulos da imprensa é Daynara de Paula, em
depoimento durante o Troféu Maria Lenk de 2013. Ela comenta a polêmica que
aconteceu logo depois dos Jogos de Londres em 2012, quando Thiago Pereira
acusou a vaidade das nadadoras de ser a maior culpada pela falta de resultados:
"Em Londres [durante os Jogos Olímpicos], não perguntavam como eu tinha
treinado ou como eu tinha nadado. Perguntavam da minha unha, do meu cabelo. Aí
os meninos falam que a gente é muito vaidosa, mas vaidade não deixa de dar
resultado, primeiramente. E além do mais são vocês [jornalistas] que perguntam.
A gente só responde. Deveriam começar a fazer perguntas mais sérias pra gente,
mas os jornalistas ficam rotulando a gente como vaidosas. A gente até é
vaidosa, mas também é atleta".
Um dos desafios das nadadoras – que
também pode ser visto como tabu – é com
relação às formas do corpo. A costista Fabiola Molina conta que por muito tempo
as mulheres deixaram de fazer trabalhos de musculação por medo de ficar com o
corpo masculinizado: "Sempre houve o mito que a natação deixava a mulher
forte e masculina, e as pessoas ainda acham que mulher nadadora tem as costas
largas. Eu sou nadadora e não tenho as costas largas. Isso mistificou várias
gerações, para não se fazer muita força e não ficar forte".
Além
do aspecto físico, há ainda a questão do doping.
Com a ingestão involuntária ou não de diversos tipos de hormônios, muitas
atletas acabaram ficando com aparência brutalizada. No Brasil, o caso mais emblemático
foi o de Rebeca Gusmão. A ex-nadadora, hoje jogadora de futebol e praticante de halterofilismo,
foi medalha de ouro nas provas dos 50m e 100 livre no Pan-2007. Mas em novembro
do mesmo ano, exames anti-doping feitos durante a competição continental
acusaram a presença de anabolizantes. Depois de diversos julgamentos e recursos
à Corte Arbitral do Esporte, Rebeca foi banida da natação em 2009 (N. E.: atualmente, Rebeca, novamente casada, é assessora de imprensa do Governo do Distrito Federal, e aparece muito na mídia mais por ter recuperado o corpo antes dos anabolizantes, sendo, inclusive, forte candidata a uma edição da Fazenda, da TV Record).
Antes disso, entre as décadas de
1960 e 1980, ocorreram escândalos de doping
relacionados a atletas de vários países, principalmente no então bloco comunista.
Na época, havia poucos recursos para investigação, mas ao longo dos anos
atletas confessaram a manobra e a imprensa também investigou diversos casos a
fundo. O caso mais importante desse período ganhou o nome de "fábrica de
recordes", quando a preparação irregular das nadadoras Kornelia Ender, Barbara Krause e Carola Nitschke, da
Alemanha Oriental, que ganharam medalhas e
bateram recordes nos anos 1970, veio à tona na década seguinte.
Kornelia,
então dona de oito medalhas olímpicas nas edições de Munique-1972 e
Montreal-1976, revelou receber injeções de hormônios desde os 13 anos. Barbara,
que foi três vezes campeã olímpica e dona de oito recordes mundiais, foi
retirada dos Jogos de 1976 pelos médicos da delegação que ficaram com medo do flagrante
no anti-doping por terem calculado mal a dosagem hormonal da atleta. Já
Nitschke, que também recebeu injeções de substâncias proibidas desde os 13
anos, foi a primeira atleta desse período a devolver as medalhas conquistadas e
pedir que seu nome fosse retirado dos livros de recordes, em 1998.
E os jornalistas, como encaram essa
relação?
Para Guilherme Freitas, jornalista
sênior da revista Swim Channel, que falou por
e-mail, a "imprensa brasileira só dá destaque para quem vence no cenário
internacional", o que reduz a chance de as nadadoras aparecerem na
imprensa, uma vez que poucas sequer chegam a finais em competições desse
âmbito.
Freitas acredita que a questão
cultural pesa quando se fala de mulheres atletas. Segundo ele, há uma grande
carga de machismo na abordagem do tema. "Muitos homens não gostam de
mulheres atletas ou não aceitam ver uma mulher ganhando títulos e
medalhas".
Já Beatriz Nantes, também contactada por internet, ex-nadadora e
jornalista que administra o site
Esporte Em Pauta, acha que a natação feminina do Brasil "tem uma cobertura
que não está focada no resultado. Joanna
Maranhão, por exemplo, tem tanta cobertura
quanto muitos homens, mas muito pelas declarações 'polêmicas', que a imprensa sabe explorar muito bem. A diferença
está no tratamento, que tem a ver com essa coisa de ser musa, ou de pegar
um aspecto peculiar ou um ponto da pessoa".
O repórter Marcel Merguizo, da Folha de S. Paulo, aponta que as atletas
refletem um ideal de mulher moderna. Ela, agora, pode - e deve - "suar,
correr, lutar, brigar" (fenômeno que os antropólogos denonimam de
"estereótipo de Lara Croft",
personagem de videogame, que foi personificada no cinema por Angelina
Jolie), coisa que não poderia antigamente, mas que, além de tudo, "é
sensual".
Em compensação, a repórter da CBN e
ex-nadadora Mayra Siqueira não vê
problemas nessa relação. "Se as nadadoras estão sendo mais
focadas como símbolos de beleza é porque os resultados na piscina não estão
vindo".
Segundo Mayra, a exploração da imagem das mulheres atletas é consequência de
seus resultados. “Muitas vezes esse marketing é financeiramente benéfico em
forma de patrocínios".
No entanto, o maior desafio da
relação entre a imprensa e os nadadores reside na própria CBDA. Em maio de 2013,
a Confederação fez uma palestra e um media
training com os jovens atletas (em média com 17 anos) que participariam em
agosto do Mundial Junior de Natação, em Dubai. No treinamento, segundo reportagem de Julian Romero para a Best Swimming,
os profissionais da imprensa eram descritos, entre outras coisas como "'é jornalista 24h por dia', 'vive em busca do furo',
'gosta de conflito, de opiniões divergentes', 'acredita agir em nome do
interesse público', 'é curioso, detalhista' e 'repórter cada vez mais jovem e
generalista'". Se não bastasse esse tipo de preconceito para deixar esportistas tão jovens na defensiva com
relação à imprensa, indicações de conduta quase repressiva indicavam a "abstenção de comentários negativos na imprensa sobre o
clube, CBDA, patrocinadores".
Na
mesma linha de tolher as entrevistas dos atletas, outras instruções envolviam
recomendações do tipo "'seus atos e declarações serão 'lidos' como a
posição oficial da Confederação', 'tenham definidas claramente as mensagens a
serem passadas aos jornalistas', 'evite que as opiniões/posições pessoais gerem
conflito/polêmica com o clube e a Confederação', 'as questões e os pontos de
vista diferentes devem ser debatidos internamente, e não pela imprensa'".
Para que a relação entre a mídia e
as nadadoras chegue ao ponto ideal de unir marketing,
patrocínios e outros benefícios para as atletas e não se converta apenas em
exploração e audiência de programas e sites, é preciso que haja mais resultados
sob a forma de medalhas e destaque em competições internacionais.
Bem, eu sinceramente acho que por trás de um fast também bate um coração, não é verdade?
A série dá uma parada hoje e volta segunda-feira, com os perfis especiais de algumas das melhores nadadoras do Brasil e do Mundo.
(Patrícia Angélica é jornalista, responsável pelos blogs Loucos por Natação e Criminal Minds BR)
Nenhum comentário:
Postar um comentário